05.NOV.2017

Estudos publicados!

Síndrome de Guillain-Barré - Respostas diretas para perguntas difíceis...

     Desde a primeira descrição de Landry, em 1859 sobre a Paralysie Ascendante Aiguë e a posterior definição da síndrome por Guillain, Barré e Strohl em 1916 (sim, a história abandonou Strohl, provavelmente por sua ascendência ligada à Alsácia - território de longas disputas França x Alemanha), muito aprendemos sobre o assunto, mas muitas perguntas ainda pairam.

     A síndrome de Guillain Barré é uma condição relativamente rara na qual os nervos das pessoas acometidas sofrem um ataque do próprio sistema imunológico destruindo a bainha de mielina – estrutura microscópica que envolve os nervos e é responsável pela boa condução dos estímulos nervosos. Como consequência, surgem fraqueza e formigamento nas extremidades que, frequentemente, podem progredir acometendo outras áreas do corpo. A causa exata ainda é desconhecida mas frequentemente a síndrome é precedida por uma doença infecciosa como por exemplo uma infecção respiratória ou gastro-intestinal. 




     
E esse é exatamente o protótipo da que vem à mente quando se fala em síndrome de Guillain-Barré (SGB): de um paciente com queixas sensitivas (positivas ou negativas), tetraparesia, hipotonia e arreflexia, de instalação aguda. Entretanto, esta é só uma fatia do bolo.

Há mais de parestesias e arreflexia entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia...

     Há variantes! Algumas a saber: forma faringo-cervico-braquial, forma paraparética, diparesia facial com parestesias, pandisautonomia, além da Síndrome de Miller-Fisher (SMF) - e suas variantes! Ex: Rombencefalite de Bickerstaff, midríase aguda e outras - enquadradas conjuntamente.

     Trata-se de um espectro de doenças, com algumas semelhanças, porém com características clínicas, epidemiológicas, fisiopatológicas e eletrofisiológicas distintas ou sobrepostas, englobadas em um mesmo heterogêneo grupo. Provavelmente você irá perguntar: "O que têm em comum?". O fato de serem polineuropatias, serem monofásicas e apresentarem dissociação proteíno- citológica no líquor (que nem sempre está presente). Nem mesmo a arreflexia é onipresente! Difícil, não?

     Por isso, não é a toa que ainda existem dúvidas a serem respondidas sobre o manejo da SGB e suas variantes.


Respostas de algumas perguntas difíceis

     Neste ano de 2017, um grupo holandês, publicou um artigo (Verboon et al, 2017) com algumas questões pertinentes sobre o manejo da SGB, que podem ser resumidas em 6 tópicos:

1- Tempo é nervo?

     Do manejo do acidente vascular cerebral os neurologistas aprenderam que tempo é cérebro mas, na síndrome de Guillain Barré, tempo é nervo? Todos os estudos até o momento, incluem pacientes tratados com até 2 semanas do início dos sintomas no caso de Imunoglobulina (Ig) ou até 4 semanas, no caso de Plasma Exchange (PE). Naquele caso, é presumido que quanto mais precoce a administração de Ig, menores os danos secundários à inflamação, considerando os aspectos fisiopatológicos envolvidos. Já no caso de PE, há evidências de que pacientes tratados dentro dos primeiros sete dias do início dos sintomas, têm melhor e mais precoce recuperação do que os tratados entre o oitavo e 28o dia dos sintomas. Até o momento, a recomendação é que o tratamento seja iniciado o quanto antes.

2- As formas "leves", devem ser tratadas?

     Não há conceito perfeito para o que é forma "leve" da SGB. A maioria dos trabalhos consideram forma leve quando o paciente é capaz de deambular sem apoio. Entretanto, esta definição não leva em consideração manifestações potencialmente graves como fraqueza bulbar ou disautonomia. A lacuna maior se dá pelo fato destes estudos randomizarem apenas pacientes com formas "moderadas ou graves" para o tratamento. Até agora, há pouca evidência quanto ao tratamento das formas "leves", no entanto, sugere-se que sejam tratadas, com PE ou Ig, especialmente se evoluem com sintomas bulbares, paresia facial ou disautonomia.

3- Devemos tratar variantes?

      Depende da variante!

     No caso de uma das variantes, a síndrome de Miller Fischer clássica (apenas oftalmoplegia, ataxia e arreflexia), o curso geralmente benigno da maioria dos pacientes permite o manejo conservador, contudo, em pacientes com sintomas adicionais (Ex: fraqueza bulbar, paresia), o tratamento com Ig ou PE deve ser instituído. Na Rombencefalite de Bickerstaff, frente a gravidade das manifestações clínicas, recomenda-se tratamento com Ig ou PE, ainda que não haja estudos suficientes. Pacientes com as formas faringo-cervico-braquial, SGB atáxica ou sensitiva, em boa parte das vezes não se enquadrarão para o tratamento se considerarmos a escala de incapacidade de SGB, logo, devemos levar em consideração a rapidez de instalação dos sintomas ou as manifestações associadas e individualizar a indicação.


4- Iniciar ou não tratamento após 4 semanas?

     Atualmente, não há evidências de que iniciar o tratamento em pacientes com SGB após 4 semanas traz benefícios. Dada a instalação do quadro, a maioria dos pacientes procura um serviço de saúde dentro deste intervalo de tempo. Nos casos de progressão de sintomas após 4 a 8 semanas, deve-se considerar as hipóteses de Polirradiculoneuropatia Desmielinizante Inflamatória Crônica de início subagudo ou Polineuropatia Desmielinizante Idiopática Subaguda.

5- A forma de tratamento inicialmente escolhida nos casos sem flutuação clínica deve ser trocada ou repetida?

     Estudos mostraram que não há benefícios em trocar Ig por PE ou vice-versa. Também não temos evidências que um segundo curso de Ig ou novas sessões de PE após um primeiro ciclo trazem benefício. Ainda há o efeito hipotético de que fazer PE após Ig, pode levar à neutralização de seus efeitos.

6- Tratar ou não flutuações relacionadas ao tratamento?

     Embora não haja fortes evidências, atualmente existe uma tendência em tratar novamente pacientes que se enquadrem nesta situação, ainda que estudos tenham mostrado que este novo curso de Ig ou PE não mostrem grandes benefícios em relação aos pacientes com flutuação relacionada ao tratamento que não o refizeram.

     De dúvidas em dúvidas construímos nosso conhecimento. Ainda restam muitas. Mas é provável que em breve os estudos em andamento tragam mais respostas (e felizmente, mais dúvidas...).


Saiba mais:
 
  • Fokke C1, van den Berg B, Drenthen J, Walgaard C, van Doorn PA, Jacobs BC. Diagnosis of Guillain-Barré syndrome and validation of Brighton criteria. Brain. 2014 Jan;137(Pt 1):33-43.
  • Uncini A. Guillain-Barré syndrome: What have we learnt during one century? A personal historical perspective. Rev Neurol (Paris). 2016;172(10):632-44.
  • van Koningsveld R, Steyerberg EW, Hughes RA, Swan AV, van Doorn PA, Jacobs BC. A clinical prognostic scoring system for Guillain-Barré syndrome. Lancet Neurol. 2007;6(7):589-94.
  • Verboon C, van Doorn PA, Jacobs BC. Treatment dilemmas in Guillain-Barré syndrome. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2017;88(4):346-52.
  • Wakerley BR, Uncini A, Yuki N. Guillain-Barré and Miller Fisher syndromes--new diagnostic classification. Nat Rev Neurol. 2014;10(9):537-44.
  • Willison HJ, Jacobs BC, van Doorn PA. Guillain-Barré syndrome. Lancet. 2016;388(10045):717-27. 

Autor

Dr. Thiago Dias Fernandes

O Dr. Thiago é consultor em Doenças Neuromusculares do Neurodrops. É graduado em Medicina pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS. Concluiu residência médica em Neurologia e Doutorado pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP. Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica, Dr. Thiago é neurologista assistente do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e um apaixonado pela História da Neurologia

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